Em Vivo Contato: 28a Bienal de São Paulo

quarta-feira, 19 de novembro de 2008


Imagino que todos já tenham ouvido falar na polêmica do vazio da Bienal. Apesar de não querer me estender sobre esse aspecto da exposição, não posso deixar de comentar a pouquíssima quantidade de obras naquele imenso espaço. Críticos e curadores vindos de fora do país ficaram decepcionadíssimos e, realmente, a 28ª Bienal tem cara de mostra pequena e não da mega-exposição que costuma ser. Lembro também que o tema, O Vazio, foi mudado recentemente para Em Vivo Contato, mais uma mostra de incoerência da parte da organização do evento.

Deixando as reclamações de lado, afinal já foram feitas por muitos, não se pode absolutamente dizer que os trabalhos ali presentes são de má qualidade. O que me chamou a atenção, porém, foi a falta de contextualização de algumas obras, pois a maioria delas não é acessível apenas pela sua contemplação, tem uma história por trás.


No lounge, por exemplo, há uma de minhas preferidas, de Valeska Soares. À primeira vista trata-se de uma pilha de letras de gesso, que, após uma explicação, descobre-se fazerem parte do texto da primeira bienal, sob o título de Em Vivo Contato. É instigante observar essa desestruturação da escrita, que aparece reduzida a algo ilegível. O contato com as letras passa a ser palpável, porém, ao serem transformadas em objetos, as mesmas não significam mais nada, perdem seu simbolismo. O trabalho chega a mostrar uma certa ironia, pois, ao mesmo tempo em que o texto entra em vivo contato com o espectador, as letras deixam de ser signos e ele perde seu significado .


Ao subir a rampa há uma pequena forma metálica junto à parede. É o trabalho sem título de Iran do Espírito Santo, outro que me chamou a atenção. Trata-se de uma fechadura ao avesso, constituída de aço inoxidável. A forma é de um buraco de fechadura, porém, ao invés do orifício pelo qual enxerga-se através, ali está um volume que reflete ao seu redor. Essa discreta obra reverte o lugar do voyeur, que ao tentar espiar acaba por enxergar a si mesmo e sua realidade, faz com que as pessoas sejam obrigadas a observar-se e não ver nada a não ser seu próprio entorno. Remete-me também à questão de tudo ser vigiado e observado o tempo todo, do individualismo e da imagem presente em todos os lugares .


A quantidade de trabalhos em vídeo também se destaca na mostra. As televisões de Marina Abramovic mostram recortes de registros de suas performances que exibem apenas sua face. Monta-se assim um panorama das expressões de rostos levados a situações extremas, como a de abocanhar uma cebola crua, ou deixar-se envolver por uma serpente. No mesmo andar há a instalação em DVD da finlandesa Eija-Liisa Ahtila, The House. Trata-se de três projeções simultâneas que atenuam a linha entre razão e delírio através da história sensível de uma personagem esquizofrênica que mostra sua vida, sua casa, seus medos, sua realidade . O fato das imagens serem projetadas simultaneamente arrasta o interlocutor para dentro da cena e o envolve no ambiente da obra.


Poderia falar sobre outras obras, como o belíssimo Escalpo, de Dora Longo Bahia, que invade todos os espaços do terceiro andar com suas formas orientais desgastadas pelo pisar do público, mas não vou me alongar mais. Sugiro que visitem a Bienal e, depois do choque do vazio, tentem desviar a atenção da ausência e se concentrar no que ali está. E peçam informações aos monitores, pois não se pode adivinhar a história das coisas, certo?

2 comentários:

João Villaverde disse...

A leitura do trabalho do Iran do Espírito Santo ficou ótima. A questão dos monitores é super necessária - não temos, no Brasil, uma cultura de incentivo às artes. É muito importante a participação de guias, que insiram uma discussão sobre aquilo que se vê.
A discussão sobre os (poucos) trabalhos que estão na Bienal é importante, mas não é impossível dissociá-la da questão política ridícula que gerou o vazio.

Anônimo disse...

adorei, pena que perdi. De novo, gosto do seu texto, parece com vc. Lendo, converso com vc, te escuto... como posso nao gostar?